segunda-feira, 21 de março de 2011

A LUCIDEZ PERIGOSA
(Clarice Lispector)

Estou sentindo uma clareza tão grande 
que me anula como pessoa atual e comum: 
é uma lucidez vazia, como explicar? 
Assim como um cálculo matemático perfeito 
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer  
vendo claramente o vazio. 
E nem entendo aquilo que entendo: 
pois estou infinitamente maior que eu mesma, 
e não me alcanço.

Além do que: 
que faço dessa lucidez? 
Sei também que esta minha lucidez 
pode-se tornar o inferno humano 
– já me aconteceu antes.

Pois sei que 
– em termos de nossa diária 
e permanente acomodação 
resignada à irrealidade – 
essa clareza de realidade 
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus, 
porque ela não me serve para viver os dias. 
Ajudai-me a de novo consistir 
dos modos possíveis. 
Eu consisto, 
eu consisto, 
amém.

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