sábado, 3 de setembro de 2011


SEMEAREI ÁGUA
(Cândido Portinari)
 
Não vês aí em nossa frente as águas se
Balançando? De onde teriam vindo, cruzando
Os ventos? Ora banhando praias distantes
Ou dando em lugares desertos. Vês este é
O rio Negro aquele outro ao sul é o Pardo.
Todos se encaminham para o mar ... Antes
Banham as terras magras.
Leva-me, te mostrarei as árvores
E os vaga-lumes nas noites escuras. Poderemos
Amar a erva e o céu. Sem receios
E sem cansaço. Será sempre bela o tempo
Nada fará. Talvez me faças ver mais adiante
E não serei triste. Semearei água nas terras
Secas. Os doidos só vêem os essencial.
 
Cães sarnentos e esquelético
De olhar doce e humano
Fugiam sempre. Eram enxotados
A todo instante. Só as crianças
 
Tratavam-nos bem. Olhos remelentos e
Comoventes pobres pobres e sem
Dono. Não se metiam em brigas
Farejavam os meninos amigos
 
Até na igreja eram escorchados
Mas a lua iluminava ao rei e
A eles. A brisa soprando não
Discriminava. A água matava
 
A sede do homem, da ave e do cão
A terra alimentava a todos
O eco longínquo era ouvido por eles
Também. São alguns Santos em penitência?
 
Se pudesse fugir de mim
Afundar-me na escuridão
Das matas fechadas e repousar sem fim
Por mais ligeiro na corrida acompanha-me a assombração
 
Na estrada paro e me escondo
Onde ninguém vai; a sombra impede
Ligeiro apresso-me, num tempo que o vento
Leva e não se percebe
 
Por mais coisas que faça e me transmude
A minha mão se aperta
E sem saber o que fazer
O eu que não sou, nada há que o satisfaça
 
Cansado de querer o que não desejo
Peço somente sono e repouso
Despejo-me no rio surdo de águas claras e vejo
O silêncio fazendo barulho e dormir não ouso.
 
Vejo e falo a muita gente
Meu pensamento solitário
Está trancado dentro de mim
Mágoa e solidão me acompanham
 
Não enxergo as pedras e nem as
Raízes. À noite passam
Navios iluminados indo e
Vindo. Entre os viajantes
 
Haverá algum santo?
Não há flores e nem árvores e
faltam os que sonham em
Conhecer outras terras ...
 
Os pássaros não viajam ali
Mas vão pelo espaço sem
Cais e sem porto
Os sanfoneiros vão a cavalo
Onde os noivos os esperam. A sanfona
Alegra os namorados.
 
Nada tenho para dar
Nem mesmo o tempo
É limitado e é consumido
Com o trabalho
 
Poucos são aqueles a quem falo
E muitos me procuram
por nada. Se tivesse
Continuado a soltar papagaio
 
Seria livre como as andorinhas
Não entenderia os homens
Teria pena deles e de mim
Saberia a vida do vento
 
E a época dos vaga-lumes
Com as suas lanterninhas.
Saberia as idades
Das nuvens e os dias de arco-íris

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